Eu não sei decifrar as linhas das minhas mãos, dizem que o emaranhado de filetes grossos e longos possuem uma gama de significados. Para mim, elas não passam de dobras nas articulações, já outros conseguem enxergar sem dificuldade o conteúdo de cada ramificação bifurcada espalmada nas mãos.
A verdade é que quando olhei para o outro lado me deparei com a caricatura de uma cigana, vestido vermelho rubi, forte, aceso. Olhos misteriosos, que saltavam às minhas vistas como faróis incandescentes. Dourado, muito dourado espalhado pelos detalhes do seu corpo, nas orelhas, nos pulsos, no pescoço, nos dentes. Ela me soltou um sorriso de canto de boca, queria se aproximar. Eu consenti retribuindo-lhe o sorriso.
Andou sem pressa, saracoteava, rebolava e girava a sua saia rodada enquanto se aproximava. Arrastou uma cadeira e se sentou exatamente na minha frente, sem falar uma palavra pediu a minha mão direita. Analisou cada linha com sutileza, pormenorizando os detalhes e os caminhos que faziam os pequenos filetes que compunham a minha mão.
Depois de algum tempo ela começou a dar o seu veredicto, sobre o que eu era e o que eu viria a me tornar. Conclusões tão previsíveis e genéricas que poderiam ser aplicadas a qualquer homem que estivesse sentado numa mesa de bar, fumando cigarro e tomando uísque escocês. Ela se insinuava, mostrava o decote ladeado pelos bordados caseiros do seu vestido.
Os seus olhos fuzilaram os meus e saíram em despedida, levando meu uísque e alguns trocados, que ela mesma me roubou no bolso do paletó. A multidão já ocultava o rebolado frouxo escondido pelo vestido. Na beira da calçada fiquei apreensivo, medo de atravessar e morrer como Macabéa, a noite fora muito insólita e só um desfecho como este para encerrar o meu tempo de morangos. Seria até poético morrer assim. Mas o destino foi outro, e tão imprevisível como as palavras da cigana.
Atravesso a avenida, entro no meu carro e na primeira esquina atropelo a mulher de olhos misteriosos que reinventara o meu futuro com suas previsões e esquecera do seu. Olho nos seus olhos pela última vez, mas não carrego remorso, afinal, alguém, algum dia, teria mesmo que vingar a pobre da Macabéa.